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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Crime policial passa impune ao cidadão

Investigação e punição por mortes e ações violentas durante ações policiais não correspondem à expectativa da sociedade

Ao contrário de parte da população, Thiago Klemtz de Abreu, de 19 anos, confiava na polícia. Seu sonho era ser delegado. Desejo encerrado em 16 de agosto de 2009, após o estudante de Direito morrer com três tiros na saída da Sociedade Harmonia, no Bigorrilho. O acusado pela morte é Omar Assaf Júnior, de 29 anos, um policial militar, profissão em que o jovem depositava confiança. Conforme testemunhas, o PM disparou três vezes, duas delas depois de Abreu estar, indefeso, no chão. Assaf foi indiciado por homicídio triplamente qualificado (por não haver chance de defesa, motivo fútil e por ser policial). Desde dezembro, o oficial está em liberdade e atua na área administrativa da PM enquanto o caso é apurado.

Lesões corporais e homicídios causados por policiais, como o caso de Abreu, infelizmente ainda são situações corriqueiras. São inúmeros os casos de violência policial relatados pela imprensa. Mas são raras as condenações que se tornam públicas. “Questiono-me como pode esse indivíduo ainda fazer parte da centenária Polícia Militar, como pode ainda portar arma?”, afirma Patrícia Klemtz, mãe de Abreu.

Ainda em 2009, outros 13 policiais militares foram acusados pelo assassinato de cinco jovens no Santa Cândida. Os agentes afirmaram que atiraram em legítima defesa. O inquérito, no entanto, indicou o contrário. O aparelho rastreador da viatura mostrou que, antes de as vítimas serem conduzidas ao hospital, os policiais pararam por alguns minutos em um terreno baldio, o provável local da execução. Após a ocorrência, o governador Roberto Requião (PMDB) proibiu o transporte de vítimas de troca de tiros em viaturas policiais. Os policiais foram denunciados por homicídio pelo Ministério Público (MP) e aguardam a conclusão dos inquéritos militar e do MP.

Apesar da sensação de impunidade, 48 policiais militares foram excluídos da corporação e 34 policiais civis foram demitidos por suspeitas de irregularidades em suas ações no Paraná em 2009, segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). As instituições registraram outras 41 propostas de exclusão e 185 prisões. Entre 2003 e 2008, 249 PMs foram desligados da corporação e 137 civis perderam o emprego. Mais de 1,7 mil investigações foram instauradas pela Polícia Civil e cerca de 7 mil procedimentos disciplinares foram abertos pela PM.

A dificuldade, porém, está no acompanhamento dessas investigações por parte do cidadão. Estudo da Universidade de São Paulo revela que 14 das 17 ouvidorias de polícia do país não acompanham os casos de morte envolvendo policiais. Apenas três das instituições analisadas cumprem com essa função primordial: São Paulo, Pará e Rio Grande do Norte. O Paraná está na lista de outros estados, onde o órgão se transforma em uma espécie de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), recebendo reclamações, elogios ou sugestões da população, mas sem resultados efetivos.

A incumbência das Ouvidorias não é investigar, mas monitorar se a apuração é conduzida da forma adequada. O estado de São Paulo requisita cópia de todos os processos e pode pedir diligências. No modelo ideal, a instituição se transforma em contraponto às Corregedorias, órgão em que a polí­­cia investiga a própria polícia. Essa independência, contudo, é barrada pelo baixo número de funcionários e a inexistência de orçamentos específicos para o órgão. “Uma de nossas diretrizes é o fortalecimento das Ouvidorias nos moldes considerados adequados”, diz Isabel Figueiredo, coordenadora-geral de Direitos Humanos e de Segurança Pública da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).

Criada em 2000, a Ouvidoria do Paraná apresentava os mesmos males no ano passado. Apenas dez funcionários atuavam na instituição, número considerado insuficiente para a demanda de processos. E a falta de autonomia impede o acesso a determinados documentos, enquanto em São Paulo a legislação autoriza a interferência em qualquer investigação.

Inquérito Militar

Nos casos de suspeita de envolvimento policial militar em confrontos, a corporação instaura um Inquérito Policial Militar, com prazo legal de 40 dias e possibilidade de ampliação por outros 20. “Quando não finaliza no período certo, geralmente ocorre por falta de laudos periciais”, explica o coronel Jorge Costa Filho, comandante do Policiamento da Capital. Essa apuração nunca pode ser encerrada sem relatório, que indica se existem indícios de crime. O laudo é encaminhado à Auditoria da Justiça Militar, cujo cargo é ocupado por um promotor do Ministério Público, designado para a função.

O promotor analisa e pode pe dir o arquivamento ou encaminhar a um juiz. Nos casos de crime contra a vida, o caso é encaminhado à Justiça Militar, mas automaticamente chega à Justiça comum. “Os nossos processos levam entre um ano e um ano e meio para acabar. Na comum, levaria dez anos”, avalia Costa Filho. Enquanto um policial é julgado, ele presta serviços administrativos. Fonte: Gazeta do Povo, reportagem de Vinicius Boreki

Depoimento

Pelo fim da barbárie

A dor imensa de perder um filho assassinado é indescritível, maior ainda quando se descobre que o assassino é um policial militar. Aquele que deveria proteger a sociedade mata um jovem desarmado que, sem chance de se defender, implora pela vida e é covardemente executado. A tristeza e a indignação me acompanham dia a dia. Questiono-me como pode esse indivíduo ainda fazer parte da centenária Polícia Militar, como pode ainda portar arma? Somos nós cidadãos desta cidade que com o dinheiro de pesados impostos pagamos pela arma e o salário de alguns policiais despreparados, responsáveis por crueldades. Não podemos mais conviver com a violência e impunidade. São nossos direitos a segurança e a liberdade, por isso clamemos por mudanças para que tantos outros não sejam as futuras vítimas da incompetência e do abuso do poder da arma. Queremos crer na Justiça e na Polícia Militar. Pelo fim da barbárie.

Patrícia Klemtz, mãe de Thiago Klemtz de Abreu Pessoa, assassinado em 16 de agosto do ano passado.

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